terça-feira, 16 de junho de 2015

O “BARÃO” DO DIAMANTE


No “Livro das velhas figuras”, o mestre Luís da Câmara Cascudo conta uma estória no mínimo curiosa, que se passou no Ceará-Mirim do início do século XIX.
Diz-nos que Miguel Ribeiro Dantas, Barão de Mipibu, casara-se em 1824, com uma prima, Dona Maria, filha do abastado português Antônio Bento Viana, dono do engenho Carnaubal e benemérito da paróquia, a quem havia doado terras de sua pertença onde hoje correm as ruas da cidade de Ceará-Mirim, conhecidas como “terras da Santa”.

Como era hábito, o casamento realizou-se na casa da noiva e, a pedido da consorte, o Barão demorou-se por mais de um mês na casa do sogro. Certo dia, chamou a mulher para acompanha-lo à sua residência em São José de Mipibu e a noiva preferiu demorar-se mais na sua cidade. O Barão, teimoso, manteve-se no propósito de retornar à sua cidade e partiu sem a noiva, deixando-a grávida.

Nunca mais retornou para buscar a noiva e nem esta o procurou. Teimosos e caprichosos os dois.
Em 1825 nasceu Miguel Ribeiro Dantas, o terceiro com o mesmo nome de família, que herdou a fortuna do avô português. Quando decidiu casar-se, escolheu uma tia, Dona Maria Angélica, oito anos mais velha que ele e irmã do seu pai. Toda a família se opôs, mas o terceiro Miguel era teimoso, segundo Cascudo, “por direito hereditário”.

Foi a São José de Mipibu acompanhado por uma escolta de quatorze escravos armados a bacamarte e raptou a sua escolhida. Tiveram apenas uma filha, Dona Maria Generosa, que veio de se casar com o Dr. Olinto José Meira, ex-presidente da Província do Rio Grande do Norte e pai do Juiz Meira e Sá.

O senhor de engenho, que ostentava o título de Coronel Comandante Superior da Guarda Nacional na Comarca de Ceará-Mirim, viveu até os setenta e quatro anos, criando fama de homem generoso, que gostava de auxiliar os necessitados e de mesa farta. Ainda louvado na narrativa de Cascudo “seus escravos, criados, libertos, amigos, conhecidos, aderentes e parasitas, gravitavam junto aquele núcleo irradiante de dádivas e benesses”.

Tinha paixão pelos cavalos, tratados à pão de ló, como se dizia antigamente. Tinha até um cavalo reservado para montaria do imperador. Dizia-se que o fidalgo cavalheiro daria o animal de presente ao governante quando recebesse o título de “Barão do Diamante”, o nome do engenho que havia adquirido.

Deu-se então um episódio que bem ilustra o bom humor, a tolerância e o amor aos cavalos do senhor de engenho. Vamo-nos valer da “verve” do sábio norte-riograndense:
“Um escravo de estimação, noitinha, selava um dos melhores cavalos de Miguel Ribeiro Dantas e galopava até a cidade, voltando pela madrugada. Uma vez, metido num ‘fobó’, esqueceu-se das horas e o sol nasceu. Assombrado com o próprio atrevimento, o escravo montou o cavalo e regressou, pensando no merecido castigo. Miguel Ribeiro, na calçada da Casa Grande, avistou, manhãzinha, o negro que, inconscientemente, fazia o animal esquipar, em ‘baralha-ata’, seguro e direito, como um ‘Marialva’. Assim entrou no pátio e, defrontando a figura severa do amo, o escravo ‘deu-de-rédeas’, sofreando a montada com tal ímpeto que esta, escorregando nas quatro patas, freadas pelo puxão furioso, deslizou até quase o alpendre, deixando um largo sulco, igual e reto, n’areia úmida. Miguel Ribeiro Dantas sacudiu os braços para o ar, num entusiasmo de conhecedor:
- É o que te valeu, negro dos seiscentos diabos! Vamos medir o risco!...
E, com o escravo, radiantes ambos, curvaram-se para medir o cumprimento da trilha traçada pelo cavalo.
Matéria publicada no "Jornal da Cultura de Ceará-Mirim", edição de agosto de 2010.