quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS – Parte III



          Desfilavam pelas ruas da velha cidade outros saudosos pregoeiros. A velhinha da carimã, uma espécie de broa feita de massa azeda de mandioca, muito utilizada na confecção de bolos e biscoitos. Andava sempre com um porrete na mão, para se defender dos cachorros vadios, mas também pra correr atrás dos garotos traquinos que mexiam com ela gritando “carimã podre!”.
       
       O vendedor de alfenim, um simpático velhinho que usava uma velha sandália de rabicho feita de sola e caminhava lentamente com paços miúdos e cadenciados, trazia em seu tabuleiro torrões de açúcar transformados em miniaturas de bois, vacas, cachorros, galinhas e cavalos, tudo cuidadosamente pintados com cores vivas e atraentes.
         
       A vendedora de mangabas, negra alta e esbelta, equilibrava na cabeça com graça e desenvoltura, um alguidar de barro cheio dessas frutinhas genuinamente nordestinas.  A venda era feita por litro e também em pequenas caixolas feitas com folhas de “cajueiro brabo” - uma espécie que existe em áreas de tabuleiros e que tem folhas grandes e espessas - e costuradas com palitos de coqueiro. As frutas eram colhidas nas dunas que circulam nossa cidade pelo lado do nascente.
       
      Outro pregoeiro, que ainda hoje pode ser visto pela cidade, é o vendedor de geleia de coco. Conduzindo o tabuleiro na cabeça, anunciava o produto batendo seguidamente com uma espátula, que utilizava no corte das poções, em uma das pernas do tabuleiro que produzia um som metálico. Os preços variavam de acordo com o tamanho da porção. Ao lado do tabuleiro, presos por um arame, pedaços de papéis de diversas cores serviam para acondicionar a guloseima. Pessoas que por ventura utilizassem próteses dentárias, por motivos óbvios, evitavam seu consumo.
        
       O vendedor de pirulitos – do tipo guarda-chuva -,  garoto franzino e saltitante, vez por outra encostava a tábua recheada com as deliciosas iguarias no muro de alguma residência, pra jogar bola de meia ou de gude, com os garotos da rua. Não raro, quando apanhava a tábua novamente, alguns pirulitos havia desparecido misteriosamente. Mesmo assim, sempre estava por ali batendo uma bolinha.
        
      Lembro do vendedor de raivas, que trazia o produto em um depósito cilíndrico dentro de um saco e o conduzia preso as costas segurando-o com uma das mãos. Havia ainda o vendedor de cocadas; o de tapioca e beijus no coco além dos conhecidos grudes de Extremoz, que passava propositalmente sempre no início das manhãs ou no final das tardes, horário que antecede as refeições; o vendedor do famoso “cuscuz da Mata”, caminhava equilibrando o tabuleiro na cabeça, com andar ligeiro e cadenciado como se disputasse uma macha atlética. Com os primeiros raios do sol, partia para sua maratona que começava na Avenida Um, no bairro do Alecrim, onde se localizava a fábrica, só retornando no dia seguinte, após novo carregamento.
          
     O pipoqueiro, presença constante nas portas das escolas ou onde houvesse aglomeração de crianças, também realçava o cenário das ruas da velha cidade. O vendedor de cavaco chinês, que apesar da modernidade, ainda insiste em sobreviver, não utilizava nenhum pregão. Era reconhecido apenas pelo frenético tilitar de seu triângulo, em obediência um encadeamento bem conhecido, principalmente pela criançada.
        
        E continuava o desfile dos pregoeiros matinais. Aparecia o vendedor de peixe, que os trazia pendurados em uma peça de madeira apoiada em cima de seu ombro. Na mão, um porrete de madeira e na cintura uma peixeira “12 polegadas”, para tratar o pescado, ou dividi-los em postas de acordo com o desejo da dona de casa. O vendedor de caranguejos-uçá e gordos goiamuns, vendidos amarrados em cordas de 10 e 12 unidades, pendurados em um pau de galão. O vendedor de camarões torrado, vendidos em litros, atraia os fregueses anunciando que sua medida era “cheia no capricho” e sempre tinha um agrado de 4 a 5 camarões que colocava depois.
      
      Um dos pregoeiros mais famoso daquela época foi o jornaleiro Cambraia. Conheci-o muito bem, pois, diariamente, passava em frente a minha casa anunciando com um vozeirão arrebatador: “ôlelê, ôlelê, jorná de natá”. Negro alto, de brancos cabelos pixains que mais pareciam pipocas, tinha feições marcadas pelo tempo. Andava sempre de pés descalços, calças arregaçadas na altura dos joelhos e camisa entreaberta. Trazia os jornais, em baixo do braço protegidos por uma espécie de papelão.
  
- Continua na próxima quinta-feira-

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS - Parte II



          Havia também o vendedor de manguzás, ou munguzás, ou ainda “chá de burro”, como também era conhecido um mingau feito de milho com leite de coco, temperado com açúcar e canela, muito apreciado, fazia parte do desjejum de inúmeras famílias. Utilizava a mesma técnica do verdureiro, na condução do seu produto: nas extremidades do pau de galão, preso por cordas conduzia dois caldeirões de alumínio. Na mão, uma grande concha para servir a iguaria geralmente adquirida em generosas porções, para atender a toda a família, por ocasião do café da manhã, ou no jantar.
          Por cima da roupa vestia um avental branco já meio encardido pelo tempo e pelo uso, com dois grandes bolsos onde colocava o apurado. Na cabeça, um chapéu de pano evitava que algum indesejado cabelo, aterrissasse indevidamente no prado do freguês. Anunciava seu produto com um pregão um tanto esquisito: nunca falava o nome do que estava vendendo, gritava apenas “tem coco!”, e a freguesia já sabia que se tratava do gostoso manguzá.
          Na esquina da Rua Ulisses Caldas com a Avenida Deodoro, onde ainda existe o Colégio da Imaculada Conceição, fazia ponto alguns ambulantes. O mais famoso deles era Prego, um vendedor de poli – o picolé da época -, que atendia por esse apelido. Nunca soube o seu verdadeiro nome. Diziam que era agricultor e chegou a Natal retirante, fugindo de uma seca braba na região do Seridó, onde morava com mulher e filhos. Nunca mais voltou. Da família, não teve mais notícias. Apenas, algumas lembranças que se perderam no tempo, juntamente com o sofrimento vivenciado durante as constantes secas que enfrentou naquele longínquo sertão.
          Morava lá pros lados das Rocas, bairro pobre que se desenvolveu nas margens do Rio Potengi, onde comprava em uma pequena fabriqueta, os tais polis, que nada mais eram que uma mistura de água, essência e açúcar. Conheci-o desde a minha tenra idade, quando eu era aluno no Instituto Brasil, localizado na Rua José Pinto, das saudosas professoras Carmem Pedroza e Pina. Naquela época, ele já era um homem velho. Muito espirituoso, sempre estava fazendo algum gracejo para atrair a clientela. Um de seus preferidos era espremer sua enorme língua, que conseguia dobrá-la com incrível habilidade, entre suas gengivas, já que era desprovido de todos os dentes. Num instante, transformava sua cara magra e enrugada, numa careta engraçada e assustadora, que mais lembrava uma máscara carnavalesca.
          Ao seu lado, sempre encontrávamos o vendedor de roletes de cana. Sentado em um tamborete com texto de couro, trabalhava pacientemente com sua quicé – pequena faca -, transformando um pedaço de taboca de bambu, em um suporte para os roletes de cana. Abria a taboca em diversas hastes onde fixava em cada extremidade, um suculento rolete de cana caiana, formando uma espécie de cacho. Os maiores chegavam a ter até doze roletes, dependendo da largura da taboca. Lembro-me dos cachos, dispostos cuidadosamente em cima do tabuleiro forrado com um pano branco, com bordados coloridos nas extremidades, aguardando a cobiça da meninada. Quando terminava o dia colocava o tabuleiro na cabeça apoiado em uma rodilha de pano e retornava para casa apregoando os últimos cachos: rolete, rolete de cana caiana, ainda tem rolete de cana...    
          Por ocasião da sazonalidade, também se arranchavam naquela calçada, diversos vendedores: o de jabuticabas, de siriguelas, de umbus, que eram vendidos em litro, medida padrão, amplamente utilizada por diversos vendedores. Naquela época, o litro do óleo Benedito era o que mais se via, em virtude de sua larga utilização pelas classes mais pobres, além de ter sua fábrica na vizinha cidade de Macaíba. Aparecia também naquela esquina o vendedor de goiabas, mangas, sapoti e também o vendedor de milho assado, que utilizava um fogareiro feito com lata de querosene e as espigas ficavam expostas em cima de uma pequena grelha sobre o fogareiro.
          Já o vendedor de pitombas comercializava seu produto em cachos. O balaio ficava em cima de um tamborete e os cachos eram engordados, amarrando-se uns aos outros, com embira de fibra da bananeira. A exposição era feita sem muito critério. Os cachos ficavam amontoados no balaio a espera dos fregueses. Os compradores sempre procuravam os mais recheados, pois, não havia diferença de preço. Quando a fruta ainda não estava madura, ou como dizíamos, inchada, era possível degustar a polpa, que se desprendia do caroço com facilidade. Porém se as frutas já estivessem maduras, tornar-se-ia difícil a retirada da polpa, uma vez que ficavam bastante escorregadias, aumentando assim o risco de engoli-las juntamente com o caroço. Nesse caso, dependendo da quantidade de caroços ingeridos, o indivíduo inevitavelmente teria sérios problemas após a digestão.
          -continua na próxima quinta-feira-




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ORMUZ CANTA SUA PRAIA, TAMBÉM VOU CANTAR A MINHA



                 
GUARAPARI-ES, CIDADE SAÚDE ONDE É VERÃO O ANO INTEIRO
                                                      Por Terezinha Figueiredo Simonetti 


          Até alguns anos atrás Guarapari não passava de uma simples aldeia de pescadores. Eu garota (tal qual meu primo Ormuz na sua Praia da Pipa), adorava passar minhas férias por la,  na casa de uma tia. Minha tia era pessoa importante na cidade, depois do Prefeito, do Delegado e do Padre, pois era a Diretora do Grupo Escolar.
         
          Era uma delicia comer camarão fresquinho e aquela saborosa  moqueca que só o capixaba sabe preparar. (Sim, porque moqueca, só capixaba, o resto é peixada).
         
          Era uma cidade simples, mas com lindas praias nativas, tais como a Praia das Virtudes, onde as freiras iam tomar banho de mar como também a Praia dos Padres, a Praia da Fonte ,onde “naquele tempo” víamos as tartarugas bem de pertinho nadando, Praia da Cerca, (hoje a famosa Aldeia dos magnatas) e tantas outras, sendo a mais importante de todas, a Praia da Areia Preta.
         
          Importante, pois sua areia é radioativa, que constitui um extraordinário elemento de tratamento, uma vez que a radioatividade atua no solo e na atmosfera, tanto dentro quanto fora das casas e dos hotéis, tanto nas praias quanto fora delas.
         
          "As areias monazíticas de Guarapari foram descobertas em 1.898 e, em 1.906, a 'SOCIÉTE MINIÉRE ET INDUSTRIELLE FRANCO-BRASILIENSE'   instalou em Guarapari a usina 'MIBRA - Monazita Ilmenita do Brasil' para fazer o beneficiamento destas areias, exportando o produto a ser tratado na França. Segundo Silva Melo em 1937, a MIBRA funcionava dia e noite, tendo três turnos de operários, que recebiam salários miseráveis, desconhecendo a utilização e para onde eram levadas as areias de Guarapari.
         
          A MIBRA explorou as areias de Guarapari até meados de 1960, quando o governo elevou o valor da taxa de extração das mesmas. Os proprietários simplesmente abandonaram tudo, queimaram a documentação, já haviam ganho tudo que queriam ".
          Guarapari é chamada Cidade Saúde, pois  como contam os antigos, o seriado BEM AMADO ( da Tv Globo) foi baseado numa  historia de Guarapari, dizendo  que o Prefeito para inaugurar o cemitério e ninguém morria na cidade,  teve que mandar buscar um defunto na cidade próxima Benevente , chamada hoje de Anchieta. ( Foi nessa cidade que viveu por alguns anos e faleceu o Padre Anchieta, muito embora seus restos mortais tenham sido levados para São Paulo.)

          A fama das areias de Guarapari cresceu, e assim sendo, a cidade também cresceu, tornando-se hoje um “balneário” como tantos outros, cheio de prédios, asfalto e modernidade.
          Sumiram as tartarugas e o jeitinho bucólico do meu tempo de criança que eu tanto gostava.

                                         


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


RECORDANDO OS VENDEDORES AMBULANTES E SEUS PREGÕES MATINAIS – Parte I

Nos últimos dias de dezembro do ano passado, almoçava com meu amigo Levi Bulhões, quando surgiu em meio à conversa, lembranças dos vendedores ambulantes de antigamente. Todas as vezes que nos reunimos para jogar conversa fora, o passado está sempre presente. Saudosistas irrecuperáveis, temos por costume lembrar esse período da adolescência, que contribuiu de maneira positiva para a formação de nossa cidadania.

Seja pelas inúmeras passagens ocorridas na esquina da Rua Princesa Isabel com a Apodi, onde outrora existia a “bodega de Floriano”, ou pelos antigos carnavais, quando participávamos dos chamados blocos de elite, entre eles Lord’s e Apaches, ou mesmo as lembranças do cotidiano, vivenciadas pelas calçadas da vida.

A “bodega de Floriano” exerceu um papel tão importante nas nossas vidas, que seus frequentadores, no desejo de manter a união daqueles amigos, criaram uma espécie de confraria. Anualmente, na segunda semana de dezembro, reunimo-nos para um almoço de confraternização onde as lembranças e relembranças, predominam em nossas conversas. Costumam participar dessa confraternização, inclusive, nossas esposas e filhos.

Temos praticamente a mesma idade e somos amigos desde o início da adolescência. Por essa razão, compartilhamos das mesmas lembranças de uma cidade-capital, que nos anos 60 e 70, mais parecia uma cidadezinha com cara e jeito de interior.

Eu morando na Av. Deodoro e ele na Rua Princesa Isabel tivemos oportunidade de conviver com esses incríveis personagens, que fizeram parte da história da velha cidade, de nossa infância.

No dizer do meu amigo e confrade Jurandyr Navarro, voltar ao passado é, antes de tudo, uma doce recordação. Não há nada mais terno e emotivo que procurar o tempo perdido envolto a ilusões despedaçadas.

Pois bem, foi recordando o passado que lembrei a figura do vendedor de verduras. Ainda bem cedinho, ouvia sua voz forte e melodiosa: verdureeeeiro!...,  com andar dolente e cadenciado obedecendo o ritmo imposto pelo vai-e-vem dos balaios, soltava a voz pelas ruas na amanhecença da cidade: verdureeeeiro!..., olhe a verdura madame, tudo bem novinho..., verdureeeeiro!

O mercado central ou mercado da cidade, destruído por um incêndio nos anos 60, abastecia a maioria desses ambulantes. Ficava onde hoje funciona a agência do Banco do Brasil, na Avenida Rio Branco. Era lá, onde o verdureiro se abastecia dos diversos produtos que comercializava, antes de ganhar as ruas da cidade, para vendas diárias de porta em porta.
       
      Lembro-me bem de sua figura. Homem alto, magro, moreno claro, usava um surrado chapéu de palha de abas largas e calças arregaçadas até o meio das canelas. No ombro, um tufo de pano para aliviar as dores causadas pelo pau do galão, que sustentava os dois conjuntos de pesados cestos, onde cuidadosamente eram arrumados os produtos que vendia. Em um dos cestos maiores, que ficavam na base da pirâmide, colocava talhadas de jerimum de leite ou caboclo, batata doce, macaxeira, inhame, cebola, coco seco e produtos que não estragasse em contatos com os demais, pois, primava pela apresentação dos produtos. No outro cesto, frutas sazonais, feijão verde, que era vendido em “molhos”, legumes tais como: cenouras, repolhos, batata inglesa, maxixes, quiabos etc. Nos cestos do meio vinha o chamado tempero verde, cebola verde, coentro, pimentão, tomates e ainda folhas de couve, alface etc. No derradeiro cesto, por ser o menor e mais raso, era reservado às especiarias: cravo, canela, gengibre, pimenta do reino e algumas raízes usadas na confecção de chás e garrafadas. Também ali eram penduradas grossas tranças de cabeças de alho.
    
        Sempre fazia o mesmo caminho. Saia do mercado da cidade, subia a Rua Ulisses Caldas na altura do Armazém Natal, e chegava na Avenida Deodoro. Passava em frente a minha casa, de número 622, que ficava em frente “A Palhoça”, do saudoso João Damasceno. De lá, perdia-se por entre as ruas dos bairros de Petrópolis e Tirol, só retornando no dia seguinte, na mesma hora e anunciando o mesmo pregão: verdureeeeiro!
         
- continua na próxima semana-