segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

TRIBUTO AO POETA DEÍFILO GURGEL

FALECEU HOJE ÀS 11:00 O POETA E FOLCLORISTA DEÍFILO GURGEL


POETA DEIFILO GURGEL

De todos os e-mail e telefonemas que recebi parabenizando-me pelas matérias publicadas no blog www.ormuzsimonetti.blogspot.com, intitulada VIAGEM INSÓLITA, um deles me deixou particularmente envaidecido. Por ocasião da publicação da segunda crônica - dividida em quatro partes e publicadas todas as sextas-feiras durante o mês de fevereiro - me encontrava na praia da Pipa, quando o telefone tocou: era o meu amigo escritor, poeta e folclorista Deífilo Gurgel. Tivemos uma longa e agradável conversa.

Ele com sua peculiar gentileza elogiou a iniciativa e disse, entre outras coisas, que vinha acompanhando com muito interesse, todas as etapas da viagem, e ansioso perguntou: “Quando você chega à Areia Branca?” Informei que seria na terceira parte da crônica a ser publicada no dia 18. Disse ainda que quando retornasse a Natal iria lhe fazer uma visita em agradecimento ao seu simpático telefonema e aproveitaria o ensejo, para lhe entregar o diploma de sócio fundador do INRG- Instituto Norte-Riograndense de Genealogia.

Na minha modéstia experiência de vida, poucas pessoas conheci tão apaixonado por sua terra e suas tradições, como o poeta Deífilo Gurgel. Sentado em seu terraço, conversamos por mais de duas horas sem sentir o tempo passar. Foi comovente ver aquele homem falar com tanto amor e entusiasmo do seu torrão. As lembranças fluíam naturalmente. Ele às vezes de olhos fechado, lembrava de coisas do seu tempo de menino. Parecia viver aqueles momentos mágicos, de anos que já vão longe. Ali estava um homem-menino sentado em seu terraço, mas os pensamentos repousavam na distante Areia Branca de sua infância.

Entendi que naquele instante era somente a presença física do homem Deífilo, pois seus pensamentos estavam viajando para muitos anos atrás. Era sua infância de menino irrequieto, que andava pelas ruas de areia da velha cidade, que passarinhava nas redondezas e gostava de ver a “revoada dos maçaricos por entre as várzeas de pirrixiu”. Era o menino que corria por entre as matas de matapasto em brincadeira com outras crianças do lugar. Era o observador atento das “moças debruçadas na janela” e do vai e vem dos barcos que atracavam no cais de sua infância, da sua querida Areia Branca. Fiquei em silêncio observando aquele homem em seus devaneios.

Foi emocionante ver que ali estava uma pessoa realizada em todos os sentidos. Bom filho, bom pai, avô extremoso e amigo fraterno, onde do alto dos seus 84 anos de idade, bem vividos, enquanto muitos se sentem incapacitados e se entregam a uma cadeira de balanço na sala de televisão, o poeta-pesquisador está em plena atividade. Continua pesquisando o nosso folclore e escrevendo poemas maravilhosos. Tudo registrado em livros publicados e os ainda a publicar. Gosta de receber em sua morada os amigos para um papo descontraído e ao final da conversa, o interlocutor sabe que sai daquele encontro, muito mais rico de conhecimento.
O seu ritmo de trabalho é invejável. É de sua natureza produzir o máximo que for possível, pois anseia em deixar uma obra literária, que certamente será bem aproveitada e agradecida pelas futuras gerações. São tantas suas atribuições, que o dia se torna insuficiente para dar conta de todos seus compromissos.

Como havia prometido, passei as suas mãos o diploma de Sócio Fundador do INRG- Instituto Norte Rio-Grandense de Genealogia, fato que muito nos honra e engrandece nossa Instituição. Na ocasião fui por ele presenteado com um de seus livros de poemas, OS BENS AVENTURADOS. No tópico “As cidades submersas”, me encantei com uma declaração de amor a sua terra natal no poema “AREIA BRANCA, MEU AMOR”. Tive o prazer e o privilégio de tê-lo escutado, quando dessa visita, recitado pelo próprio autor. Saí daquele encontro muito feliz, assim como todos os que tiveram o prazer de sentar a sombra de sua varanda, para escutar e aprender um pouco, do muito que o poeta tem a ensinar.

Transcrevo na íntegra a poesia Areia Branca, Meu Amor, para o deleite dos leitores.

A cidade adormecida,
no coração do poeta,
entre pregões matinais,
subitamente, desperta.

Para trás da Serra Vermelha,
nasce a manhã, nas levadas,
na solidão das salinas,
nas águas envenenadas.

Maçaricos alçam vôo,
nas várzeas de pirrixiu.
Pescadores solitários,
pescam o silêncio do rio.

Num bosque de matapasto,
atrás de Amaro Besouro,
desabrocha o fumo bom,
em finos cálices de ouro

Calafates calafetam
velhos barcos irreais.
Moinhos movem o vento,
nas tardes do nunca mais.

O sol se pondo na Barra,
entre mangues e canoas,
põe rebrilhos de vitrilhos,
nas marolas das gamboas.

A noite cai. Cães vadios
ladram na rua, à distância.
Deslizam sombras esquivas,
nas esquinas da lembrança.

Todos os que se mudaram
para o outro lado da vida
e dormem, no cemitério
da cidade adormecida.

vêm a mim, me cumprimentam,
me comovo ao recebê-los,
baila uma fina poeira,
em torno dos seus cabelos.

Converso com Pum-na-guerra,
Fumo-bom e Baranhaca.
Abraço Maria Mole,
Ciço Cabelo de Vaca.

Passo no Canal do Mangue,
vou à Fuzaca, à Favela.
Na rua da frente há moças
debruçadas na janela.

D. Adelina me argúi
na taboada e ABC.
Começa tudo de novo,
pela estrada do aprender.

Ouço as valsas da Água Doce,
nas tardes de antigamente.
Entre Bois e Pastoris,
sou menino novamente.


As ruas se embandeiraram,
há lanternas pelas portas.
São João acorda, entre o riso
de pessoas que estão mortas.

Os pés do menino vão
nessas ruas do sem-fim.
O tempo não conta mais,
partiu-se, dentro de mim.

Nesse burgo de embranças,
Guardado pela memória,
Minha vida se inicia,
recomeça minha história.