quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

ACTAS DIURNAS

DENDÊ ARCOVERDE – PARTE III

Casara com sua prima d. Antônia Josefa do Espírito Santo Ribeiro d' Albuquerque Maranhão, filha de João d' AI­buquerque Maranhão e de d. Antônia Josefa, irmã de sua mãe. Seu sôgro, quase centenário, veio a falecer, na Província da Paraíba, a 20 de agosto de 1859. Dendé perdeu a mulher no dia 7 de outubro de 1835.

Dizem que a envenenou, passando, á pretexto de fazê-la perfumada, unguento misterioso pela linda cabeleira da esposa. A senhora morreu, dias depois do agrado, com furiosas dôres de cabeça. A tradição oral registra que o único filho- legítimo do Brigadeiro Arcoverde, o pequenino André, fôra igualmente assassinado pelo Pai, com processo idêntico ao que sofrera sua Mãe. O menino sucumbiu a 25 de novembro de 1836. Uma versão, mais humana e lógica, informa que d. Antônia Josefa falecera de febre puerperal e o filhinho, de meningite. .

Dendé ficou com as duas heranças ... Seu irmão mais velho, José Inácio durante as parti­lhas, quando do inventário de sua Mãe, em 1846, teve de­savenças com o Brigadeiro. José Inácio era influente, sol­teiro, rico, várias vezes presidindo a Câmara de Vila Flor. Residiu em "Belém" e "Estivas". Dendé mandou-o matar, com a naturalidade de quem encomenda a um caçador uma peça de caça. Escapando várias veres às emboscadas, José Inácio deliberou fugir para Europa.

Vendeu parte dos bens e, com Joaquim Cardoso, seu capataz de confiança, veio ao engenho "Bosque", em Goianinha, e enterrou uma mala cheia de moedas de ouro. Passou procurações para uns parentes seus administrarem as propriedades. Numa dessas jornadas uma descarga apanhou-o num braço, ferindo-o levemente. José Inácio, esperando a época da viagem, veio refugiar-se em "Estivas", em casa do Capitão-Mór André d'Albuquerque Maranhão, coronel das Ordenanças de Vila Flor e Arês. Este mandou vigiar os arredores. Os días passaram, calmos.

Uma manhã, conversavam, André de "Estivas" e José Iná­cio, no alpendre da casa-grande. José Inácío, deitado numa. espreguiçadeira, segurava um lenço de cambraía de encontro ao ouvido. Ao lado ficava uma olaria onde alguns homens do Capitão-Mór trabalhavam. Bruscamente, um trabalhador gri­tou: - guarda a tiro! Da olaria dispararam dois bacamar­tes, de pontaria dormida. Uma bala atravessou a mão, o lenço e a cabeça de José Inácío . O fidalgo caiu de bruços fulmina­do. O Capítão-Mór correu em cima dos emboscados que deapareceram.
Horas depois, chegava à "Estivas", o Brigadeiro Dendé Arcoverde, todo de preto, grave, compungido, com um sequito de guardas, armados e montados. Esteve muito tempo olhan­do o cadáver do irmão. Ajoelhou-se perto, persignou-se, e declarou que viera buscar o corpo para ser sepultado, com hon­ras, na capela de Cunhaú. Organizou o prestito e carregou o defunto numa liteira.

Enterrou-o com pompa. No sétimo ­dia veio a orquestra de São José de Mipibu, dirigida por Joa­quim Barbosa Monteiro, para tocar durante a missa fúnebre. José Inácio ficou na capelinha de Cunhaú. Dendé herdou tudo ...
Joaquim Barbosa Monteiro, que faleceu aos 85 anos em S. José de Mípíbu a 7 de outubro de 1907, contara ao cel. Felipa Ferreira da Silva de "Mangabeira", que, terminada a cerimônia, apresentara as despedidas ao Brigadeiro que pas­seava, todo de branco, na calçada. Dendé Arcoverde falou, com a voz grossa e alta que assombrava até aos Anjos do Céu ...

- Não lhe pago agora porque não tenho dinheiro que chegue. Vá para casa que receberá logo que me venha o que estou esperando ...
Julgando agradar, Monteiro explicou que o toque era gratuito. O Brigadeiro franziu o couro da testa como um tigre: - Atrevido! Querer fazer um favor ao Brigadeiro Arcoverde para sair dizendo que ele não tinha que pagar! .
Ousadia desse diabo! Suma-se de minha presença, depressa!
Joaquim Monteiro saltou num cavalo e galopou até São José de Mipibu, resando a "Salve-Rainha" quando se encon­trou fora dos caminhos de Cunhaú.
Mas, dias depois, Simplício Cobra Verde foi a S. José entregar a Joaquim Monteiro o pagamento, verdadeiramente fidalgo, da tocata e do susto.

Para o seu tempo, o fausto do Brigadeiro teve as honras da lenda. O Sr. dr. Eloy de Souza relembrou a fama em sua conferência "Costumes Locais" (Natal. .. 1909 p . 7); - "A tra­dição ainda recorda as riquezas dos Arcoverdes, em proprie­dades que mediam léguas, em escravos tão numerosos que a muitos ignoravam os nomes e extranhavam a própria fisio­nomia e em moedas de prata e ouro, semestralmente postas a arejar largos couros extendidos no terreiro da casa grande. Célebres foram as suas baixelas de prata e ouro; e célebres as viagens que faziam ao Recife, em liteiras puxadas por ca­valos cobertos com pesados mantos de tafetá recamados d'ou­ro; o enorme sequito de agregados de todos os matizes; a cha­ranga, as barracas. de seda e toda a régia munificência com que iam afrontando o humilde sossêgo das praias por onde passava tão fidalgo e ruidoso cortejo".

Natal – RN, 10.05.1941

(Transcrição Ipsis litteris do “Livro das Velhas Figuras”)