domingo, 4 de dezembro de 2011

DO LIVRO "A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS"

SAUDOSOS VERANISTAS

Cleto Gadelha do Espírito Santo

Como de costume, durante todo o verão, passo a maioria dos meus fins de semana na Praia da Pipa. A minha casa fica em uma posição bastante privilegiada, bem de frente para o mar. Acostumei-me a dormir e acordar embalado pelo gostoso e melódico barulho das ondas.



















Quando a maré está cheia, as vagas rebentam em um quebra-mar que fica na frente da casa, mas não impede as água de se projetarem terraço adentro. Já me acostumei com a impressionante proximidade de minha casa com o mar.




















Pois bem, foi numa dessas manhãs que acordei com uma saudade danada daqueles finados veranistas com quem tivemos a sorte de conviver por tanto tempo. Saudade daquelas brincadeiras que promovíamos, das pescarias, dos passeios a Sibaúma, do banho no Rio do Galhardo, enfim, de tudo que já não fazemos mais.

















EVILÁSIO E O POETA ANTÔNIO PEQUENO

No dia anterior, tinha assistido à missa de sétimo dia do meu amigo Evilásio de Souza Lima. Ela aconteceu na igreja do distrito de Piau. Lá, encontrei toda sua família, mas, infelizmente, quase nenhum amigo mais próximo. Fiquei analisando com que rapidez nos esquecemos dos nossos amigos e parentes que vão para o andar de cima. Muita gente no enterro, pouca gente na missa de sétimo dia, na missa de trinta dias praticamente só a esposa, os filhos e, quando muito, os netos. Na missa de um ano, quando a família resolve fazer, imaginem!




















E nesse saudoso dia seguinte à missa, comecei a me lembrar dos que já haviam nos deixado. Fiquei surpreso quando comecei a contar e percebi a quantidade de amigos nossos que até “ontem” estavam com a gente nos veraneios de janeiro.
Lembrei-me de Cleto Gadelha do Espírito Santo, meu primo e grande amigo. Frequentador assíduo da Pipa, principalmente nos veraneios de janeiro, que nunca perdeu nenhum. Gostava de reunir os primos e sobrinhos no alpendre de sua casa, depois de uma pescaria, para tomar uma cachaça de cabeça com peixe frito. O seu passatempo preferido era a pescaria, pois ele amava o mar e tinha nesse esporte a sua plena realização. Dizia ser uma ótima terapia e que não havia melhor maneira de esquecer uma estafante semana de trabalho na Secretaria de Tributação, de onde era funcionário. A pescaria, além de terapêutica, também tinha a finalidade de conseguir o tira-gosto do fim de semana.
























Saía sempre muito cedo, acompanhado dos filhos e alguns sobrinhos. Lá para o meio-dia chegavam orgulhosos com o produto dos belos arremessos que ele fazia com sua longa vara de bambu. Nessa arte era um especialista. Ninguém naquelas bandas conseguia arremessar mais longe que ele. Para chegar a essas distâncias, tinha uma técnica toda especial: deixava a chumbada descansando sobre a areia e com mãos firmes e o corpo um pouco dobrado para trás, lançava a linha em direção ao mar, feito uma catapulta, 150 gramas de chumbada que, atrelada a anzóis espetados em apetitosos camarões, desaparecia de nossas vistas.

Muitas vezes já traziam os peixes tratados, para não perder tempo nem aumentar o serviço de dona Evaneide, sua paciente esposa, que em casa já preparava outros quitutes para quando a turma chegasse. Sempre podíamos contar com um caldinho de feijão verde regado com muito coentro e cebola, e uma paçoca bem batida no pilão, puxada na cebola roxa e na carne de charque, como só ela ainda sabe fazer.
Quando ele aparecia ao longe, caminhando sem pressa, com o seu inseparável molinete, atrelado a uma enorme vara de bambu, bem apoiada no ombro, era o sinal para os que estavam no banho de mar, e que logo mais começaria a “reunião”. Sempre trazia o samburá cheio de barbudos, carapebas, pescadas e mais todos os peixes que, por curiosidade ou fome, fisgassem seu anzol.















OS AMIGOS CLETO, CAFÉ E QUINCÓ

Era um homem feliz, nunca o vi mal humorado... Gostava da vida ao ar livre. Nasceu em Goianinha, no início dos anos trinta, e passou toda a infância e adolescência pelas ruas de barro batido da velha cidade. Gostava de caçar passarinhos, tomar banho de rio, andar a cavalo, enfim, de todas as travessuras próprias dos meninos daquela geração.
Morreu Cleto no dia 17 de janeiro de 1988. Era um domingo e a comunidade fazia os últimos preparativos para a famosa festa de São Sebastião. Estava ele cercado de parentes e amigos, sentado no alpendre da casa de seu companheiro de infância, Paulo Barbalho. A casa de Paulo ficava bem ao lado da sua. Era uma manhã ensolarada, própria do mês de janeiro, e a turma já tinha iniciado os “serviços” na casa em frente, que na época pertencia a Evandro Carvalho. Em seguida, fomos para a casa de tio Paulo. Era muito comum, naquela época, as pessoas começarem a beber na casa de um parente e, quando findava o dia, já tinham passado por diversas casas, numa peregrinação que se repetia por todo o fim de semana.

Em dado momento, Cleto encostou a cabeça no ombro de seu compadre e amigo Rubens Lisboa, que estava ao seu lado, e adormeceu para sempre... Morreu sem sofrer, no lugar de que mais gostava, vestido da maneira que se sentia bem. Na praia se livrava das roupas de trabalho e ficava a maior parte do tempo de calção, como ele gostava. Acredito que para a sua família deve ter sido, pelo menos, confortante saber que seu ente querido deu seu último suspiro nos braços acolhedores de seus amigos. Naquele ano, pela primeira vez, no dia 19 de janeiro, não foi realizada a parte profana da festa do padroeiro. Houve apenas a missa e a procissão, onde o comparecimento foi grandioso. A comunidade da Pipa juntamente com os veranistas lhe prestou a última homenagem, na igrejinha em que tantas vezes compareceu nas festas de São Sebastião. Quanta saudade, “camarada”!... Que Deus o tenha bem junto d’Ele e com todos aqueles saudosos veranistas que, certamente, estão com você.

Pipa, agosto de 2009.