domingo, 27 de novembro de 2011

A RESSUSCITADA DO CUNHAÚ - ÚLTIMA PARTE

A explicação da presença fabulosa da Ressuscitada de, Cunhaú apareceu depois, correndo toda a região, alacremente comentada pela familia Albuquerque Maranhão, pelos amigos solidários e fiéis.
Anacleto José de Matos, Delegado de Polícia, perseguira teimosamente a uns ladrões de gado, os irmãos Francisco, Antonio e Manuel Cavalcante, que, ajudados por outros manos, bastardos, excediam a profissão, mansa e contínua, do abigeato. Como eram valentes, havia temor em deter-lhes a mania criminosa. Anacleto acabou o domínio dos Cavalcantes que, desmoralizados e furiosos, juraram vingar-se.

A vingança consistira naquela farsa extraordinária. Encontraram uma pobre mulher, moradora no Bujarí, muito parecida com a finada Dona Maria Umbelina. Forjaram toda a lenda, industriando a comedia. Quando passou o perigo para os Albuquerque Maranhão apareceu o pai e a mãe da falsa Ressuscitada, dizendo ambos como se havia dado a história. A pseuda dona Maria ainda, recusou reconhecer o casal que se afirmava seus pais.

Em julho de 1935 conversei com d. Filomena de Medeiros Melo, irmã do sr. José Lúcio de Medeiros, de "Sacramento", em Santana do Matos. D. Filomena sabe toda a tradição, conservando as versões da família do Cunhaú, pelas ligações de amizade com seus antepassados; É neta do tte-cel, Manuel Salustino de Medeiros, que foi a Paraíba depor contra a Ressuscitada. E esse Manuel Salustino foi o segundo sôgro de Anacleto José de Matos, que se casara, depois dos sucessos, com d. Sensata de Medeiros, chamada "Dondom", não havendo filhos. O pai de d. Filomena, minha amável informante, era filho de Joaquim de Araújo Melo e de d. Apolonia Maria de Medeiros (esta irmão de Manuel Salustino de Medeiros). Joaquim de Araújo Melo era íntimo da Casa de Cunhaú e fôra uma das testemunhas mais decisivas para a ínocentação de Anacleto e do Comendador, quando das acusações do assassinato de d. Maria Umbelina.

Joaquim de Araújo Mélo ajudara a colocar d. Maria Umbelina no caixão mortuário e o levara a enterrar na Capela de Cunhaú. Manuel Salustino recordou, no curso do processo, que a fidalga fora sepultada com uma marrafa de tartaruga, ouro e pedrarias, posta na cabeleira, do lado esquerdo. Fizeram uma vistoria, exumando os ossos de dona Maria Umbelína. A cabeleira estava intacta e nela, faiscando, a marrafa de tartaruga, ouro e pedrarias.
A roupa anteriormente descrita por Joaquim de Araújo Mélo como tendo amortalhado o corpo, coincidira inteiramente. Não restava a menor dúvida de que a Ressuscitada de Cu¬nhaú era uma mulherzinha de Bujarí, imaginosa e cheia de atrevimento mentiroso.

Hoje a tradição se mantem. Raros acreditam na simulação. Como haveria de existir uma mulher, naquele tempo, com a fria audácia de enfrentar a mais rica e poderosa família da região, acusando-a de um crime? E como seria possível o conhecimento exato de peculiaridades e minúcias genealógicas, sinais físicos, a mancha rôxa de dona Joana, a cicatriz de Anacleto? E porque este se recusou mostrar, o peito, desmentindo o indício? Como esses irmãos Cavalcantes, ladrões de gado, analfabetos, conseguiriam imaginar essa façanha inaudita, inteiramente nova nos anais das duas Províncias? E essa mulher, humilde, apanhada num bordel, como possuiria desenvoltura, presença de espírito para arrostar os interrogatórios, respondendo a tudo e a todos com serena, impressionante simplicidade?

Outros obstáculos surgem. Conheço o testamento do Comendador. No "testamento", de março de 1802, o Comendador indica, entre suas filhas, dona Maria Umbelína Como d. Maria Umbelina, morta em 1858, estaria viva quatro anos depois? Se o fato ocorreu, há de ter sido posterior a 1862 e antes de setembro de 1865, quando o Comendador faleceu. De março de 1862 a setembro de 1865 é o espaço obrigatório para que tudo haja sucedido. Casamento, namoro, conselho, propinação do veneno, morte, enterro, rapto, ida para o Ceará, falecimento do português duas mancebias, ida para a Paraíba, vida de prostíbulo, conversa com o médico, denúncia, processo, formação de culpa (naturalmente no inquérito policial), viagens, precatórias, vistorias, aparecimento do dr. Amaro Bezerra, volta de todos á calma, viagem da mulher de Bujarí, tudo se teria dado nesse espaço de tempo, sob pena de arredar de cenário a figura indispensável do Comendador. Se d. Maria Umbelina estava viva em 1862, como está provado, Frei Serafim de Catania não a podia encomendar, mesmo se moresse, porque Frei Serafim não estava na região nessa data.

Está uma história confusa, difícil, atraente como uma novela policial.
Quando surge uma tradição como essa é porque existe o material determinador. Jamais lhe fala real no manque, en-sinava Arnald Van Gennep, Porque os Cavalcantes escolheram esse tema da "Ressuscitada"? Já não existiria uma lenda popular, espontânea, negando a morte de d. Maria Umbelina?
É uma lenda. A lenda da Ressuscitada de Cunhaú que haverá de verdade? Ninguém mais poderá responder...

(09.02.1941)