sexta-feira, 9 de abril de 2010

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

VELHO ORMUZ, LI SEU BELO ARTIGO SOBRE TIRADORES DE COCO LA PELA PIPA. GOSTEI MUITO.APRENDI O QUE DE FATO NÃO SABIA. VOCE TEM REALMENTE O DOM DA ESCRITA. PARABÉNS. HA TEMPOS QUE ERA PARA LHE PARABENIZAR POR SEU LIVRO, MAS UMA COISA E OUTRA FOI ME LEVANDO A POSTERGAR MEU CONTATO.
CONTINUI ASSIM! VC REALMENTE TEM TALENTO E SABE ESCREVER.

ABRAÇOS
FELIPE GUERRA ( APOSENTADO DO BB ).

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

Amigo Ormuz:

Seus textos estão cada vez melhores!
Este agora extrapolou. Está leve e fuido,escorrendo direto das vistas até o coração.
E note-se, minhas saudades não moram na Pipa,mas subi nos coqueiros, pela sua descrição.

Bartoomeu Correia de Melo
Natal/RN

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

Caro Ormuz. Sua crônica é uma justa homenagem a estes sofridos e esquecidos trabalhadores das praias nordestinas; os tiradores de côco. Parabéns!
Abraços,

Gelza Rocha
João Pessoa PB

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG, membro do IHGRN e da UBE-RN)
www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br


PUBLICADA EM “O JORNALDEHOJE” EDIÇÃO DE 09 DE ABRIL DE 2010.

Pipa, os tiradores de coco.

É comum no litoral do nordeste, o profissional que ganha a vida subindo em coqueiros para colher seus frutos. São eles os tiradores de coco. Embora não pareça, é uma atividade de extremo risco, pois sem nenhum equipamento de segurança, esses homens arriscam suas vidas subindo em coqueiros com até 30 metros de altura. Nessa arriscada atividade eles portam apenas um facão “rabo de galo”, muito utilizado no corte de cana-de-açúcar e um recipiente plástico tipo “sprei” geralmente embalagem vazia que reaproveitam, colocando óleo diesel, principal arma contra os marimbondos caboclos e outros animais peçonhentos que habitam as copas dessas palmeiras.

Sofrem também com o ataque das formigas preta, que ao ferroar o indivíduo provocam dores intensas, com as serpentes, que chegam até esses locais em busca de ninhos de pássaros e alguns roedores, que habitam nesses locais.
Vestindo apenas um calção, para melhor mobilidade, esses profissionais ganham a vida subindo e descendo dos coqueiros numa exaustiva jornada de até 10 horas por dia.

As “peias”, principal ferramenta que lhes permite subir nessas palmeiras com menor esforço, antigamente eram feitas com cipó que por sua vez eram revestidos com relho - tiras de couro cru - para lhe dar maior consistência e segurança. Há algum tempo o cipó foi substituído pelo cabo de aço, bem mais seguro e duradouro, porém o revestimento com relho cru, continua até os dias de hoje.

Geralmente esse aprendizado é passado de pai pra filho por gerações. Na Pipa, porém, isso não aconteceu. Nenhum dos tiradores de coco tem descendência direta dos pais ou deixou descendentes na família. A título de informação, podemos afirmar que é uma atividade exclusivamente masculina, pois até hoje, não temos notícias de que nenhuma pessoa do sexo feminino tenha abraçado essa profissão.

Na Indonésia os aldeões costumam treinar um tipo de macaco na colheita de coco. Os símios, são amarrados pela cintura a uma corda e ao comando do seu adestrador, sobem nos coqueiros e arrancam, um a um, os frutos que lá estiverem. Para isso utilizam apenas suas pequenas mãos. Torcem o fruto numa mesma direção, até se desprender do cacho e caia. Porém, o que um homem produz em apenas 1 h de trabalho, esses macacos levam dias para colher a mesma quantidade. Diante disso, podemos avaliar que a colheita com esses animais é apenas mera exibição para turistas, pois comercialmente, se mostraria totalmente inviável.

Os coqueiros se dividem em duas espécies: o gigante e o coqueiro-anão. O primeiro foi introduzido no Brasil a partir do ano de 1553, pelos colonizadores portugueses. As primeiras mudas trazidas da Ilha de Cabo Verde foram inicialmente plantadas no litoral baiano, daí a denominação coco-da-bahia. O coqueiro-anão tem sua origem na Indonésia. A principal diferença entre essas variedades é que no coco-da-bahia – que geralmente é destinado à indústria - os frutos são colhidos trimestralmente, sempre maduros ou totalmente secos. Ao contrario, os coqueiros anões, destinados a produção de água, têm suas colheitas realizadas a cada 25 dias, obedecendo a sua inflorescência. As colheitas realizadas em desobediência a esses critérios prejudicam, sobremaneira, a produção nas duas espécies.

Na praia da Pipa de antigamente, o coqueiro era tão valorizado, que se constituía em um bem transmissível. Era comum um indivíduo ter um ou mais coqueiros na terra de outrem. A essas plantas eram dados todos os direito ao seu proprietário. Podia ter acesso, sem prévia comunicação ao dono da terra onde estavam plantados, inclusive negociá-los com outras pessoas, se assim o desejasse.

No passado, havia na Pipa vastos coqueirais do tipo coco-da-bahia, também conhecidos como coco-praia, e poucos tiradores de coco. Apenas três profissionais faziam esse trabalho, como diziam, “no braço”, pois até então, não conheciam as “peias”. Era um trabalho penoso e estafante. Agarrados aos troncos e impulsionados pelos pés, chegavam ao alto dos coqueiros e com certeiros golpes de facão, cortavam os cachos secos ou maduros. Foram eles: Zé Luiz, Francisco Lourenço e por último, Irineu.

Quando este último ficou sem condições de trabalhar, principalmente por causa da idade, foi substituído por seu discípulo Cícero Lourenço dos Santos, mais conhecido por Madola. Iniciou-se nessa atividade subindo em coqueiro também “no braço”, mas logo foi apresentado as “peias”, novidade trazidas para a Pipa, por tiradores de coco vindos da Barra do Cunhaú, no município de Canguaretama-RN.
Lá em cima, enfrenta vários perigos escondidos na copa dessas plantas. Além de trabalhar pendurado a vários metros do chão, a uma ferramenta rudimentar e sem utilizar nenhum equipamento de segurança, constantemente são surpreendidos por insetos raivosos, lagartas de fogo, cobras, ratos e o que mais os aterroriza: o enxama de abelhas africanizadas que não se detêm diante do óleo diesel, que utilizam com sucesso nos demais insetos.

O pagamento a esses profissionais ainda é feito com base no preço do coco. Para cada planta que subir para a colheita ou simplesmente realizar uma limpeza, recebe o referente ao preço de uma unidade. Durante um dia de trabalho, dependendo da altura das plantas, os que tinham mais prática, chegava a súber em até 100 coqueiros.
Madola começou nessa atividade aos 20 anos de idade e trabalhou durante 35 anos, quando percebeu que os nervos já não lhe favorecia ao subir no alto das palmeiras, e as pernas, cansadas, lhe impunham grande sofrimento para chegar até aquelas alturas. Deixou a profissão aos 55 anos de idade e orgulha-se em dizer que com seu trabalho criou toda a família.

Durante esse tempo trabalhou em vários locais. Na Pipa, somente ele e Geraldo da Costa, o General, discípulo que conseguiu formar quando ainda estava na atividade, eram responsáveis pela colheita de toda a região.
Em Tibau do Sul, conta que tiraram coco por muitos anos, nas propriedades de Hélio Galvão. Em Cabeceiras, grande produtora de cocos, ensinou aos colegas de profissão, o uso e a confecção das “peias”. Em Canguaretama, onde existiam vários sítios, passava semanas trabalhando sem retornar pra casa. Onde houvesse um sítio para ser colhido lá estavam os amigos, Madola e General.
Hoje, aposentado, Madola ainda mora na Pipa com muitos filhos e netos, mas nenhum deles quis seguir sua profissão. Procuraram outras atividades mais rendosas e menos arriscadas.

General, último desses profissionais, teve seu destino traçado desde criança. Quando menino e adolescente, muito levado, em brincadeira de subir em árvores com outras crianças, sofreu várias quedas, inclusive duas grandes quedas de uma mangueira que lhe deixou por vários dias acamado. Quando adulto, no desempenho de sua profissão, também sofreu outro dois acidentes dessa natureza. A primeira quebrou uma perna e ficou por mais de um ano sem trabalhar. O médico que o atendeu, sentenciou: nunca mais você vai poder subir em coqueiro. Ledo engano. Com menos de dois anos, lá estava ele pendurado no alto das palmeiras como se nada tivesse acontecido. É como ele sempre dizia quando questionado: “Preciso ganhar a vida e essa é a minha profissão. Como não sei fazer outra coisa . . .”

No fatídico dia 28 de setembro de 2005, sofreu sua última queda. Estava no alto de um coqueiro quando uma das “peias”, já bem usada se partiu e ele caiu de uma altura de mais de 20 metros. Dias antes havia me pedido que comprasse em Natal, cinco metros de cabo de aço, pois precisava fazer “peias” novas. Quando retornei na semana seguinte, lhe presenteei com o cabo de aço que infelizmente não houve tempo de utilizá-lo.
Lutou pela vida durante 20 dias. No dia 18 de outubro, morria num leito do Hospital Walfredo Gurgel, em Natal. Se tivesse sobrevivido, estaria preso para o resto da vida a uma cama ou, na melhor das hipóteses a uma cadeira de rodas, o que lhe imporia grande sofrimento.

Coincidentemente, o coqueiro do qual ele acidentou-se, quatro meses depois, estava morto. Sua frondosa copa foi secando até tombar e cair. Ainda podemos vê-lo, sem copa, apontando para o céu, bem ao lado de cemitério onde “General” esta sepultado, como se o destino de alguma maneira, tivesse se encarregado de juntá-los novamente.
Com sua morte, morreu também uma tradição. Fiel discípulo de Madola, com quem aprendeu tudo sobre essa arte, não conseguiu deixar seguidores. Infelizmente, acabava naquele instante, o legado dos tiradores de coco da praia da Pipa.

Pipa, janeiro de 2010.