sábado, 18 de julho de 2009

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS- MATÉRIA PUBLICADA NA TRIBUNA DO NORTE em 19.07.2009

ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Genealogista e historiador)
www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br


PIPA, primeiras fontes d’água: cacimbas.

Na Pipa daquela época, tanto a água para beber quanto para os gastos domésticos, era retirada das chamadas “cacimbas”. Essas fontes nada mais eram que olhos d’água, localizados próximos ao mar, que afloravam da terra. As pessoas cavavam em círculos e ampliavam a área de captação da água. Como ficava exposta, e era comum ser utilizada por animais, a água destinada para beber, tinha que ser retirada com cuidados especiais.
Posteriormente, as cacimbas foram cavadas em locais previamente determinados, geralmente nos quintais das casas. Esse outro tipo de cacimba, mais moderna, constituía-se de um buraco escavado no chão, com largura variando entre 70 cm e 1 metro. Era então revestida com tijolos até a boca, que geralmente ficava acima do solo, e era coberta com uma tampa de madeira. Como o lençol freático naquela área era muito superficial, como ainda hoje é, ao perfurar de dois a três metros o solo, já podia-se encontrar água abundante e de boa qualidade.

A água retirada das cacimbas era transportada para as casas em cabaças, potes ou galões. A primeira, lagenaria siceraria, tinha diversas utilidades ligadas ao uso da água. As cabaças tinham tamanhos e formas diversificadas, dependendo da variedade e do momento da colheita. Servia para transportar água, roupas após a lavagem, como vasilha nas refeições, pratos, copos e cuias para retirar alimentos. Como moringa, acondicionando água para os trabalhadores que iam para os roçados, pescadores quando se aventuravam no mar a fora, e principalmente por viajantes, nos seus deslocamentos geralmente feitos a pé para Vila Flor, Goianinha, Ares, Barra de Cunhaú etc. Além disso, como instrumentos musicais também.
Os potes e galões, por serem menores e bem mais maneiros, eram conduzidos na cabeça das mulheres apoiados em uma rudilha, nome dado a um pano que depois de bem torcido era enrolado em círculo. A rudilha tinha a função de evitar o incômodo contato direto do fundo do pote com a cabeça de quem a transportava, além de melhorar o equilíbrio da mesma. Tornou-se comum em nossa região o ditado: “Quem não pode com o pote, não pega na rudilha”. Isso significa dizer que o indivíduo que não pudesse assumir determinado compromisso, ou realizar alguma tarefa, não se compromete com os mesmos.

O galão, ainda hoje muito utilizado no transporte de água nas cidades do interior do nordeste, era feito com duas latas de 20L cada. Essas latas chegavam à praia trazidas pelos comerciantes que vendiam o querosene. Ainda hoje, lembro-me da única marca, “Esso Jacaré”. Este produto era utilizado na iluminação das casas, abastecendo lamparinas, candeeiros e lampiões. Tempos depois, utilizou-se o óleo diesel popularmente chamado de “gás óleo”. As latas eram presas por cordas de agave (sisal) a um barrote de madeira.
O transportador o carregava depois de bem dividir em seu ombro, os quarenta litros de água que comportava o galão. Essa água era colocada em jarras de barro que ficavam localizadas nas cozinhas, no preparo dos alimentos, lavagem de pratos, etc. A água destinada ao consumo dos moradores era colocada em potes e quartinhas, estas por serem menores eram geralmente colocadas nas janelas para que, em contato com o vento, a água ficasse mais fria.
Os utensílios de barro como jarras, potes, quartinhas, pratos e panelas eram todos adquiridos nas feiras de Vila Flor, Canguaretama e Goianinha. Essas peças eram feitas de um tipo de barro especial, denominado barro de louça, que não existia nas regiões próximas ao mar.

Antes da água ser colocada nas jarras, amarrava-se na parte superior da mesma, chamada “boca”, um pano muito fino, geralmente feito de murim. Esse pano ou coador, como também era conhecido, servia para evitar a entrada de pequenas raízes de árvores próximas das cacimbas, assim como também algumas impurezas que o tal pano conseguia reter. Colocavam-se, dentro delas, algumas pedras de enxofre que evitava o aparecimento de “martelos”, como regionalmente conhecemos as larvas de mosquitos.
Foram as jarras nossas primeiras geladeiras. Na parte inferior, denominada pé da jarra, eram depositadas: frutas, verduras e raízes que eram consumidas durante a semana. Devido à umidade existente nesses locais, os alimentos se conservavam saudáveis por mais tempo, não obstante à companhia de algum teimoso sapo cururu.
Esses indesejáveis inquilinos, sem nenhuma cerimônia, se instalavam próximo ao pé da jarra, junto aos alimentos, para aproveitar aquele friozinho durante o dia. À noite, se aventuravam em volta de lampiões, candeeiros e lamparinas, a cata de algumas desprevenidas mariposas.
As mais famosas cacimbas da praia da Pipa eram: a cacimba do Comum, localizada ao lado da atual igreja onde hoje é a casa que pertenceu a Maria Gadelha, e a cacimba de Zé de Tereza, onde hoje é o restaurante Peixada da Pipa e a de Vicência Torres, onde fica a casa de Honório.
Outra cacimba famosa era a cacimba do Beco da Facada, considerada “assombrada”. Esse beco era uma passagem que existia próximo à casa que hoje pertence a Luiz Carvalho. Estórias passadas de pai para filho, dizia que as pessoas evitavam passar à noite nesse beco, pois ouviam saindo da tal cacimba, o som de músicas ou pessoas cantando.

Com a chegada da água encanada, em abril de 1983, as cacimbas foram aos pouco sendo desativadas. Algumas, depois de anos e anos fornecendo de suas entranhas, água doce e saudável, tiveram destino menos nobre, mas de extrema importância. Transformadas em fossas sépticas, continuaram servindo a saúde da comunidade.